Quem é Vincent Darré? Conheça o trabalho do designer que vem revolucionando o mundo da moda e decoração

Notável por sua criatividade tanto no mundo da moda, quanto na decoração, seu trabalho é surpreendente, autoral e com um maravilhoso diálogo com a história da arte.

Quem é Vincent Darré?

Vincent Darré, nascido em Paris em 1959, estudou na Studio Berçot, um instituto de formação em moda famoso pelo currículo com disciplinas práticas e voltado para o mercado de trabalho.

O currículo de Vincent Darré no mundo da moda é impressionante. Ele trabalhou na Prada, depois passou 6 anos como assistente de Karl Lagerfeld na Fendi, para então ocupar o cargo de diretor artístico nas maisons Moschino e Ungaro. Após decidiu seguir por outro caminho: “dei um passo para trás quando percebi que me divertia mais quando desenhava móveis”, explicou em uma entrevista no ano de 2012.

O então estilista abriu a Maison Darré, voltada para móveis e design de interiores, em 2008. Seu trabalho é considerado inovador, contemporâneo, autoral e com forte influência do movimento artístico surrealista.

Influências da arte no trabalho de Vincent Darré:

Sem dúvida a característica mais marcante do trabalho de Vincent Darré é o surrealismo, mas dizer que essa é sua única influência seria, no mínimo, reducionista. A Maison Darré define o próprio estilo como “dramático”, “teatral”  e “voltado para as artes decorativas”,  evocando um “luxo francês atemporal que remete a um passado imaginário”.

Sua obra é construída em parte pela apropriação de diferentes movimentos da história da arte.

Veja alguns dos movimentos artísticos que mais influenciaram as suas criações:

O barroco:

Se o Renascimento preza pelo equilíbrio e pela serenidade, o Barroco é construído através de uma estética de contrastes: claro/escuro, luz/sombras, divino/terreno. Isso acontece porque o estilo barroco expressa o conflito humano diante do avanço da ciência em oposição à força da Igreja.

É uma arte que expressa angústia, tormento e incerteza. Por isso o grotesco nasce dentro do estilo Barroco: ele traz a  presença do feio, do monstruoso, do bizarro, do obscuro para as obras. O objetivo é fazer um contraponto diante da beleza, leveza e  luz, elementos também presentes nas obras.

São citados especialmente por Darré o Parque dos Monstros da cidade de Bomarzo e as fontes de Villa Lante, ambos na Itália. Ambas as obras contam com elementos majoritariamente grotescos da arquitetura barroca.

A presença do grotesco:

O barroco, descoberto por Vincent durante uma viagem feita na infância com sua mãe, traz o fantasmagórico, a irracionalidade e a loucura para o seu trabalho. Vemos a influência do estilo barroco nos interiores projetados por Darré de duas formas diferentes

A primeira tem uma íntima relação com a proposta do grotesco dentro do movimento barroco. Os ambientes de Vincent Darré fazem uso de elementos que causam estranhamento e surpresa no espectador. Isso faz com que suas criações transmitam uma sensação de inquietação indissociável da beleza.

Já a segunda forma de perceber a presença Barroca no trabalho do designer é pela análise formal: O uso de reproduções de pinturas maneiristas em ambientes modernos (o que é em si um ponto de contraste), máscaras, acúmulo de elementos decorativos como parte integrante de sua estética.

O trabalho com marcenaria também merece destaque: paredes minuciosamente trabalhadas e uso de móveis com arabescos, principalmente mesas e sofás.

E, por último, cabe destacar que o uso de papéis de parede muito ornamentados, com pequenos desenhos curvilíneos, é característico tanto na decoração barroca quanto dos ambientes de Vincent Darré.

O dadaísmo:

De acordo com o N.Y. Times foi durante uma exposição dadaísta no Centro Pompidou que Darré descobriu o caminho criativo a seguir como designer de interiores. O movimento artístico Dadá surgiu na Suíça, devido à Primeira Guerra Mundial. A violência da época exigia uma resposta por parte dos artistas. A premissa básica do movimento era que diante de toda a barbaridade que ocorria no mundo, nada mais fazia sentido.

Logo a arte também não deveria ter uma mensagem, um significado ou mesmo qualquer coerência. Por isso a irreverência e o absurdo são as principais características do movimento.

Darré se recordou de seu encanto com o dadaísmo durante a infância e trouxe a espontaneidade e ironia dadaístas para suas criações. Muito do traço anticonvencional e único do seu trabalho  se deve à influência do movimento dadá. Para dar um exemplo, a primeira coleção de móveis de Darré se chamava Ossobucco. O trabalho apresentava mesas e cadeiras estruturadas com elementos que pareciam ossos com estética de desenho animado e foram inspiradas no fascínio do artista com o corpo humano.

O surrealismo:

Esse é o movimento artístico mais associado às obras de Vincent Darré. Assim como o dadaísmo, o surrealismo foi um movimento artístico que surgiu entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais. Nessa época as teorias de Freud estavam sendo muito debatidas pela sociedade e influenciaram diversas correntes artísticas.

Portanto, o surrealismo tem uma forte influência da psicanálise, prezando pela espontaneidade e liberdade do inconsciente, sem muita racionalização. A busca dos surrealistas é expressar o mundo onírico, por isso encontramos imagens absurdas e incompreensíveis feitas com técnicas de pintura realista.

É comum ver quadros surrealistas que mostram: relógios que parecem feitos de líquido, efeitos de ilusão de ótica, animais voadores, elefantes com pernas de girafa, formas orgânicas não definidas, imagens ambíguas. Isso acontece porque as pinturas surrealistas são tentativas de expressar um sonho.

O mundo onírico

Nos ambientes projetados por Darré podemos ver a influência do surrealismo no uso de formas orgânicas e linhas sinuosas e na ambiguidade das formas. Um bom exemplo é o sofá chamado Conversation: coberto por veludo, com um vermelho vivo, tem um encosto que sugere dois torsos e uma cabeça voltados um para o outro, como se fossem duas pessoas conversando.

Os desenhos de Darré para papéis de parede e tecidos também trazem linhas curvilíneas, formas simples e sem relação aparente entre si e combinações inusitadas de cores associadas ao movimento.

O artista mais conhecido do surrealismo, sem dúvida, é o espanhol Salvador Dalí. Dentre suas obras icônicas, ele fez também esculturas que ficam na fronteira entre arte e design de interiores. Um exemplo disso é o sofá em forma de boca, que foi um tributo ao rosto da atriz Mae West.  Salvador Dalí também levou o surrealismo a objetos do cotidiano, fazendo, por exemplo, um telefone-lagosta.

A coleção Dali

Vincent Darré abre diálogo direto com as obras de Dalí ao fazer uma coleção inspirada na estética do artista, cujo nome é A l’Eau Dali.  Ele projeta alguns dos seus ambientes com o azul preferido de Dalí, presente em seus quadros mais famosos como A persistência da memória, O grande masturbador e A Tentação de Santo Antão entre outros.

 Outro ponto forte de influência do surrealismo no trabalho do designer são os objetos decorativos: olhos e bocas, grandes insetos ou animais marinhos presos às paredes, móveis que se transformam em animais e vice-versa, castiçais em formato de peixe ou rato. Mas provavelmente a presença surrealista mais óbvia no design de Darré é o conjunto da obra. Ou seja: a forma como ele une tantos elementos díspares e aparentemente incompatíveis em um mesmo ambiente.

Outras influências:

Além dos movimentos citados, a decoração de Vincent Darré também faz referência a outros estilos da história da arte como:

• o renascimento – através do uso de mármore, da cor dourada e da técnica artesanal em alguns móveis;
• a op art – através de elementos geométricos nas paredes e nos tapetes;
• a arte cinética – através de móveis construídos em diálogo com obras do artista Alexander Calder;
• pop art – presente nos móveis arredondados de pés-palito, típicos dos anos 1960, e do uso de cores inusitadas como rosa, verde vibrante e laranja;
• Fauvismo – através dos desenhos lineares e proposital falta de profundidade, como é o caso do papel de parede chamado Biblioteca

Na sua estética é comum encontrarmos ao mesmo tempo elementos barrocos, contemporâneos, modernos, grotescos, espaciais,  dadaístas, entre outros combinados com espontaneidade e, o que é mais difícil, com coerência.

Ou melhor: com uma incoerência coerente.

Trabalhos atuais de Vincent Darré:

Em 2016, Darré vendeu o apartamento que servia de laboratório para suas combinações de decoração com objetivo de, mais uma vez, se reinventar. Ele continuou envolvido em diversos projetos e participou de diversas exposições, exposições, inclusive para o Museu de Arte de Toulon em 2017.

Em 2019 houve o lançamento do livro Vincent Darré: Surreal Interiors of Paris, que faz uma retrospectiva dos objetos e ambientes mais interessantes criados em sua carreira. O livro mostra, além disso, os projetos mais importantes da carreira de Darré, que conta com clientes como a Boutique Villa Noailles, a Boutique Thierry Lasry,  o Hotel Le Montana, o pátio do Hotel Prince de Galles, entre outros.

Monoprix

Agora, em março de 2021, Vincent Darré, cujo nome sempre esteve associado ao luxo, mais uma vez surpreendeu. Ele lançou uma coleção-cápsula para a páscoa em parceria com o Monoprix, grande rede de supermercados da França. O trabalho une moda e decoração, expressando a busca por um estilo de vida fresco, alegre e cheio de luz.

As cores predominantes são o azul-celeste e o amarelo, trazendo leveza e evocando o ar livre. As estampas de sol e de flores evocam a positividade e desejo de celebrar e recomeçar. As roupas são em estilo loungewear, priorizando o conforto e a irreverência fica por conta dos vários objetos zoomórficos, como um bule-ganso e uma luminária-abelha.

O que esperar a seguir?

Se há uma constante na carreira de Vincent Darré, é a capacidade de forjar novos caminhos e se redescobrir neles.

Seu percurso profissional e sua criatividade mostram que é possível ser admiravelmente constante e em perpétuo estado de reinvenção sem que nenhum desses dois lados saia prejudicado.